11.6.07

Regras da Casa

“Um mínimo de plausibilidade já é o máximo”

Dando continuidade à intenção do post anterior, estaremos expondo as Regras da Casa. Obviamente, desta vez teremos que explicar o funcionamento delas com pretensão ontológica, já que são criações exclusivas para o Prima Facie.

Os princípios que norteiam a elaboração delas são os mesmos. Subsidiariamente, procurei adaptar ao D&D tradicional certos elementos que julgo importantes, e que passaram ao largo à ocasião da elaboração do sistema.

Fiquem à vontade para opinar a respeito.

Regra: Colapso

Justificativa: Se nos esforçarmos para imaginar um mundo com magia abundante, não é difícil concluir que os ferimentos perderiam muito em conceito e sentido. Isso porque, de acordo com as regras padronizadas, as mais graves lesões podem ser curadas instantaneamente com magias de cura; membros perdidos podem ser regenerados. Da mesma forma, a própria morte pode ser driblada com expedientes mágicos relativamente simples, levando-se em consideração o que fazem.

Explorando essa idéia, poderíamos concluir que os habitantes desse mundo seriam muito temerários, haja vista a relativa facilidade de recuperação dos corpos físicos (até mesmo masoquistas, talvez?), e, por conseguinte, muito mais propensos a embates, conflitos, revoltas, guerras, o que os tornaria péssimos súditos de um governo organizado; afinal, tomando um paralelo com nosso mundo atual, os governos sustentam seus absurdos através da tênue linha do medo: o que, de fato, suprime e tolhe os heroísmos e iniciativas individuais é o mero medo de se ferir, sentir dor, morrer. É o frágil liame que faz com que o status quo da humanidade seja a inércia da omissão! Somente neste estado de coisas podem os humanos sujeitar-se às leis.

Também poderíamos conceber oligarquias e grupos econômicos poderosos ao absurdo, simplesmente porque seus integrantes não morrem! Afinal, se é apenas o dinheiro que define o acesso à Ressurreição mágica, nenhum governante, alto burocrata, ou membro da elite morreria, isso é certo, e teriam a oportunidade de acumular dinheiro e poder por períodos imensuráveis. Está bem, eu sei q vc está louco pra dizer que as Ressurreições mágicas não revertem a “natural death” (morte por idade), conforme consta nos livros. Em primeiro lugar, algumas magias mais poderosas não estão sujeitas a esta restrição; em segundo lugar, ainda que as mortes naturais não pudessem ser revertidas at all, o simples fato de as mortes acidentais poderem ser revertidas já é um contra-senso! Afinal, se for assim, por que existiriam intrigas e assassinatos? Seqüestros? Ameaças? Se os ricos não precisarem temer por suas vidas, iriam temer pelo quê? Qual seria a razão da existência da Segurança? Saúde? Se a humanidade (ou grande parte dela) não ficar mais subordinada à morte, todas as suas instituições desmoronam!

Poderíamos estender este exercício mental ad infinitum. O “fato concreto” (by Lula) é que a conseqüência lógica das curas e ressurreições mágicas, no estado em que se encontram, é implausível. Pensando nisso, vosso excelso Mestre cunhou esta brilhante regra, que visa impor limites a todas as modalidades de cura sobrenaturais e revitalizar o valor da perícia Heal (Cura), bem como a ameaça em potencial dos ferimentos em geral.

Efeitos:
- Caso uma magia de cura seja conjurada a favor de um personagem com o status “morrendo” (PH p. 145 c/c ELH p. 111), a cura não surte o efeito usual. Ao invés disso, este recuperará 1 ponto de vida e terá mais uma chance, além das normais, de rolar o d% para estabilizar. Da mesma forma, o teste da perícia Cura DC 15 (PH p. 145) não estabiliza automaticamente, apenas concede nova chance para jogar o d%. As duas chances concedidas são cumulativas, i.e., o uso da perícia Heal e as magias de cura concedem novas chances em separado de estabilizar.

- Uma parcela dos ferimentos físicos sofridos é incurável pelas vias mágicas, psíquicas e/ou alquímicas; podem ser recuperados somente pelo natural healing (PH p. 146 ).

- Até segunda ordem, não existe Ressurreição no mundo do jogo.

Regra: Jogadas Circunstanciais

Justificativa: Busca alterar a maneira como são determinadas as jogadas em geral, principalmente as chamadas “jogadas de resistência”.

O Dungeons & Dragons faz jus ao nome da família a que pertence (D20 System), à medida que quase todas as jogadas críticas são determinadas pelo rolar do esférico dado de vinte faces. Apesar de esta característica ser um dos principais atrativos do sistema, não raro os mestres e jogadores mais preocupados com o storytelling vêem esta questão como um entrave; afinal, nem sempre o Azar é condizente com o clima, o flavor que se deseja importar a uma determinada cena, além de dar ensejo a diversas situações no mínimo esdrúxulas.

O resultado do d20 serve, na verdade, para generalizar e definir através da Sorte como agirão, no mundo do jogo, os diversos fatores internos e externos que definirão o sucesso ou fracasso de determinada performance. Procurou-se, assim, evitar discussões infindáveis sobre o porquê de determinado golpe ter acertado, de determinada magia ter funcionado, etc.

Só que pra deixar o jogo mais “humano”, optamos, em alguns casos, por dar mais valor às circunstâncias que determinada jogada foi efetuada do que ao resultado dos dados.

Efeitos:
- No que tange às Jogadas de Resistência, ainda usaremos as estatísticas de Fortitude, Reflexos e Vontade, mas simplesmente como valores de referência. Na verdade, eles servirão para definir se o personagem escaparia de determinada situação com esforço fácil, mediano, difícil, muito difícil ou excruciante.


*em situações especiais, os testes de Resistência podem considerar resultados maiores que 20.

De posse dessa informação, o Mestre deverá avaliar se o personagem, levando-se em consideração a situação geral que se encontra, tem condições de Resistir com sucesso. Sim, isso é subjetivo. Tomemos um exemplo:

William tem um bônus de Vontade de +5. No auge de um combate, Mago Zé desfere a magia Insanity contra ele. A DC para resistir é 20. William precisaria tirar 15 no d20 para escapar, portanto. É uma jogada difícil (v. tabela). Levando-se em consideração de que ele está no calor do combate, completamente desperto e alerta, com adrenalina no corpo, consciente do conjurador e tendo ele como inimigo, ele resiste à magia com sucesso, sem necessidade de jogadas de dados.

Em um outro momento, o mesmo William se encontra sentado, cansado após noites de insônia, jogando paciência sozinho numa mesa de bar. Ao longe, oculto nas sombras, Mago Tobias conjura contra William a magia Daze, cuja DC para resistir é 10. Ele precisaria obter um 5 para resistir, sendo uma jogada fácil. Porém, considerando-se que ele está distraído, com a guarda baixa, sonolento e inconsciente da causa da ameaça, ele falha na resistência, sem jogada de dados.

Os dois exemplos citados são simples e simbólicos, mas no caso de uma jogada que contenha maior complexidade de condicionantes, todas elas devem ser sopesadas razoavelmente. A título exemplificativo, seguem algumas circunstâncias que podem ser consideradas para determinar a Jogada:

É claro que as circunstâncias que podem influir são infinitas, e o Jogador pode alegar, no momento da jogada, qualquer fator que julgue beneficial ao seu personagem, ficando adstrito apenas à sua imaginação, cabendo ao Mestre fazer o contraponto com os fatores prejudiciais;

- Na medida do possível, a Regra os fatores circunstanciais pode ser estendida para dar penalidades ou bônus diversos ou até mesmo definir o sucesso ou o fracasso de outros tipos de performance;

- Especificamente nas jogadas de Reflexos, ainda será necessário, na maioria das vezes, definir o sucesso pela jogada do d20, devido à natureza caótica e imprevisível desta Resistência.

- Especialmente com magias que afetam a mente, o fator circunstancial do “contexto” será crucial para determinar o resultado. Exs: Uma magia de encantamento, como Charm Person, teria uma chance de sucesso muito maior se for conjurada após uma conversa amigável/jogada de Diplomacia e/ou Blefar com o futuro alvo. Uma ilusão, como Shadow Conjuration, teria uma chance de sucesso muito maior se fosse desferida em uma situação que incite medo/descrença no alvo, bem como se for utilizada em conjunto com efeitos reais.

- Caso diversos fatores beneficiais convirjam numa mesma situação, a Resistência poderá considerar resultados de 21 até 25 no d20. Ex: Numa batalha apoteótica, o arquimago Mefistóbulo (o último chefe) enfrenta William. O mago então profere morbidamente – Agora é sua hora de morrer. E conjura uma Heightened Power Word Kill, com Save DC 30. Com sua Vontade +5, nosso herói precisaria de um 25 no d20 para resistir. Mas devemos considerar que ele está no pleno furor da batalha, com os nervos à flor da pele, enfrentando face a face o funesto responsável pela morte de seus pais, sem contar que ele não pode falhar nesse momento: o destino do mundo está em suas mãos!
Nesta situação, William resistiria com sucesso à magia (e é claro que a descrição da cena irá enfatizar o esforço sobrehumano e o caráter "milagroso" da jogada).


Regra: Experiência sensorial

Justificativa: Muito raramente vêem-se personagens de RPG passando o tempo de férias, na praia, em restaurantes, comprando roupas caras, uma casa com piscina, terrenos, enfim, gozando a vida e torrando a grana como um mortal faria. Por um motivo muito simples: por mais dinheiro que tenham, ele sempre é destinado, até a última moeda, a comprar equipamentos novos e aquela +5 vorpal que vende na esquina. Assim, temos indivíduos que vestem fortunas em equipamentos, mas não têm nenhum outro bem, sequer um lugar para morar. Implausible.

Vivemos em um mundo de sensações. Os que possuem mais dinheiro têm oportunidade de morar melhor, comprar bens melhores, fazer viagens melhores, enfim, experimentar sensações melhores. O que sentimos está diretamente vinculado aos valores inerentes à nossa personalidade; então, podemos dizer que procuramos as melhores sensações para sermos pessoas melhores.

Sob esse prisma, resolvemos adotar um sistema de recompensas que estimule o roleplaying de personagens mais realistas.

Efeitos:
- Viagens, visitas a lugares interessantes, maneiras criativas de gastar dinheiro e qualquer outro expediente que deixe o personagem mais palpável, consistente e humano serão remunerados em XP. A quantidade exata fica a cargo do Mestre, levando-se em consideração o nível do personagem, a relevância, a criatividade e o dinheiro (gp) gasto para realizar a ação.

- Detalhamentos e aprofundamentos, como nomes e localizações de parentes, contatos, lugares preferidos, história convincente, imagens, etc., também serão remunerados.